- Mas então
você tem muitos privilégios? – perguntou a Menina, ingenuamente.
- Com
certeza. – respondeu o Pinscher da Madame, com empáfia. – Tenho todos os
privilégios que um cachorro do meu porte merece.
- Eu não entendo,
você é tão pequenininho...
- Estou
falando da minha raça, Menininha. Sou de uma linhagem de pinschers da
aristocracia inglesa.
- E o que
isso significa?
- Que sou um
cachorro que custa caro, muito caro, e por isso sou merecedor de todos os luxos
que cercam a minha vida.
- Que tipos
de luxo?
- Todos.
Todos os privilégios que podem ser dados a um pinscher valioso como eu. Minha
coleira é feita de ouro e brilhantes, da grife mais cara do mundo. A cama onde
eu durmo, de estilo clássico, custou mais dinheiro do que a criada humana que
me serve ganha em meses. Minha ração é importada diretamente da Escócia, feita
com carne de ganso.
- Sabia que
existem milhares de cachorros morrendo de frio na rua?
- É claro
que sei. Quem é que não sabe? As coisas são assim, Menininha. O mundo não é um
lugar justo. Para se fazer um cachorro rico é preciso dez mil cachorros
famintos.
- Você não
se sente mal com isso?
- Porque eu
me sentiria? – desdenhou o Pinscher da Madame. – Acho que você tem assistido
desenhos demais. Quem é que não quer uma vida uma vida de luxos? Comer as
melhores comidas, dormir nas melhores camas, viajar para as paisagens mais
bonitas... Todos querem. Poucos podem.
- Mas e se
os cachorros abandonados um dia se irritarem? E se vierem atrás de você com
seus privilégios? – perguntou a Menina, intrigada.
- Isso não
acontece. Para isso existem a carrocinha, os serviços de zoonose, os muros da
mansão, os seguranças particulares da Madame. Para manter os cães miseráveis no
seu devido lugar.
-
Compreendo... – respondeu a Menina, pensativa. E se despediu do Pinscher da
Madame, que começava a se preparar para ir a uma festa de cães da alta
sociedade.
Naquela
noite, a Menina dormiu mal. Agitada, se revirava na cama, suava. Nos poucos
momentos que conseguia dormir, teve sonhos intensos. Sonhava com os cachorros
de rua.
E sua
revolução.
Nenhum comentário:
Postar um comentário