- Mas você
passa todo o tempo refletindo o mundo? – perguntou a Menina ao Espelho.
- Sim. Esta
é nossa principal função de espelhos: refletir em imagem a superfície da
existência. Cumprimos com dedicação nosso trabalho. Atualmente, somos bem
populares.
- É verdade.
Os espelhos habitam quase todos os lugares.
- Temos
diversas utilidades. No entanto, nesse tempo que estamos, o que mais fazemos,
sem dúvida, é permitir que a espécie humana fique contemplando sua própria imagem,
vaidosamente. Nesses dias que vivemos, Menina, as imagens passaram a ter muito
valor. – respondeu o Espelho, filosófico.
- Mas quem é
que não gosta, pelo menos um pouquinho, de se arrumar na frente do espelho? – retrucou
a Menina, com sinceridade.
- Você tem
razão. Temos consciência disso. Nós, espelhos, nos orgulhamos do nosso
trabalho, do nosso esforço de refletir o mundo, de habitarmos tantos lugares. Mas,
sinceramente, estamos sendo supervalorizados.
- Como assim?
- As coisas
da existência possuem sua imagem, é verdade. E é importante que se organize a
superfície da vida, a aparência das criaturas humanas, tão cheias de vontades.
Mas a existência não é feita só de superfícies. As coisas têm imagem, mas
também possuem função, propósito, história. A espécie humana sangra e sonha,
para além do regime superficial das aparências.
- Como se a
imagem da vida importasse mais que tudo?
- Como se a
imagem da vida importasse mais que tudo. Nossa popularidade, a popularidade dos
espelhos, reflete exatamente isso: a vitória da imagem da existência sobre a
existência propriamente dita.
- Puxa, que
coisa complexa... – disse a Menina, estupefata.
- Também
acho. O que me leva a concluir: nosso trabalho de espelhos é muito valorizado
atualmente. Lembre-se sempre disso.
A Menina
sorriu em resposta ao conselho do Espelho e se despediu.
Não sem
antes dar uma olhadinha no seu reflexo e ajeitar seu black.
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