segunda-feira, 8 de agosto de 2016

16. A Menina e o Televisor

- Como é ser um televisor? – perguntou a Menina, curiosa.
- É uma coisa bastante melancólica... – respondeu o Televisor, tristemente. – Apesar de ter sempre a fachada cheia de brilhos e sons, nós, televisores, somos carregados de pesar.
- Eu pensei que vocês tinham orgulho de ser o que são. Praticamente todas as casas tem um televisor. – retrucou a Menina, intrigada.
- E é justamente por isso que somos melancólicos.
- Eu não entendo.
- É complicado. Em primeiro lugar, nós, televisores, sempre transmitimos os mesmos canais. Milhões de casas com milhões de TVs para que se assistam em todos os lugares as mesmas programações. Nenhum telespectador interfere no que nós, televisores, comunicamos. Este é o primeiro motivo da nossa melancolia: nosso trabalho é sempre impositivo, nunca uma troca.
- Puxa...
- O que nos leva ao segundo motivo da nossa melancolia: é impondo nossos brilhos e sons para milhões de corações e mentes que nós, televisores, cumprimos com nosso gigantesco trabalho de manter as coisas da existência da forma como elas estão.
- Eu pensava que o trabalho de um televisor fosse divertir, informar... – disse a Menina, com sinceridade.
- É divertindo e informando que nós, televisores, mostramos o mundo como uma coisa incapaz de ser transformada. Esse é o nosso verdadeiro trabalho. E com ele, convencemos a existência a permanecer como está, inibimos suas transformações. Saber disso Menina, saber disso faz com que todos nós, televisores, sejamos assim, melancólicos.
- Compreendo. – respondeu a Menina, com pesar. E se despediu do Televisor.
Daquele em dia em diante, a Menina passou a assistir à programação dos televisores com muita desconfiança.

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